Dente não é pele: a ciência tem limites, mas o mercado não.
- Janine Diniz Fortuna
- 18 de fev.
- 3 min de leitura
Atualizado: 26 de fev.
Felipe Ribeiro | Opinião
Mais uma vez, o peeling químico mal realizado está em evidência. Dessa vez, o caso envolve uma paciente que procurou uma dentista para realizar um peeling profundo, com o objetivo de tratar cicatrizes de acne. Resultado: mais cicatrizes.

O profissional só brilha no palco certo quando sabe onde pisa. O problema começa quando a vaidade e a sede de lucro atropelam a capacitação. Dentistas, biomédicos e farmacêuticos, aproveitando-se das brechas regulatórias brasileiras em relação ao campo de atuação na saúde, têm apostado que coragem e um curso de fim de semana são suficientes para praticar medicina.
Isso não é sobre desmerecer outras áreas.
Notáveis dentistas, biomédicos e farmacêuticos já transformaram o mundo — e fizeram isso dentro de suas especialidades. O dentista Pierre Fauchard revolucionou a odontologia ao nos ensinar a relação entre higiene oral e saúde. Maurice Hilleman, biomédico americano, desenvolveu mais de 40 vacinas, entre elas as do sarampo e da hepatite B. Ernest Fourneau, farmacêutico francês, estabeleceu as bases da quimioterapia. Foram exemplares porque se dedicaram à função para a qual foram treinados.
Agora, quando um dentista resolve brincar de ser dermatologista, o resultado é previsível: a ciência dá lugar ao improviso. A pele não é um dente. É um órgão vivo, dinâmico, com respostas inflamatórias complexas. Peelings profundos não são truques estéticos — são procedimentos médicos sérios, que devem ser realizados por médicos experientes.
E aqui está o ponto que ninguém gosta de admitir: isso não é inovação, é mercado. A invasão da estética por profissionais sem preparo não tem nada a ver com multidisciplinaridade — tem a ver com faturamento fácil.
A especialização existe por um motivo: segurança.
Quem tem mais chances de realizar um peeling seguro — um dermatologista que estudou a pele por anos ou alguém que resolveu expandir sua área de atuação porque "o mercado está aquecido"?
A resposta é óbvia e, mesmo assim, complicações podem ocorrer também nas mãos de médicos. Entretanto, médicos são capacitados para impedir que uma complicação se transforme numa sequela.
Sobre o caso em si da paciente submetida ao peeling que gerou cicatrizes, nada sei. Mas sei da tendência humana de se seduzir, seja por resultados exuberantes ou por preço, já que pagou R$ 8.000,00 em um procedimento que, se realizado conforme deveria e por um profissional qualificado, não custaria menos que R$ 25.000,00. Não será possível apagar as cicatrizes, mas o dermatologista que aceitar seu caso e se debruçar sobre ele poderá melhorar consideravelmente seu aspecto.
É mais lógico que farmacêuticos e biomédicos não deveriam ousar realizar peeling. Já para quem argumenta que dentistas estudam anatomia e fisiologia, basta olhar os fatos: nas melhores universidades do Brasil, como USP, Unicamp, UFRJ e UFMG, a odontologia não inclui disciplinas sobre dermatologia ou pele. O foco está em dentes, gengivas e cavidade oral — não em cicatrização cutânea, doenças dermatológicas e, muito menos, estética da pele. Já o dermatologista, após seis anos de medicina, passa mais três anos — 8.640 horas — estudando exclusivamente a pele.
O que estamos vendo não é progresso, é retrocesso embalado como tendência. Responsabilidade virou formalidade. Se brilhar no próprio palco já exige talento, imagine o desastre de quem insiste em pisar onde não faz ideia do que está fazendo.
Dr. Felipe Ribeiro é dermatologista, pesquisador e autor do livro: Peeling químico, manual do dia a dia. Também é coordenador científico e educacional da Sociedade Internacional de Peeling.
Comments